EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
MÉXICO.[1]
CONVOCATÓRIA AO
SEGUNDO ENCONTRO INTERNACIONAL DE MULHERES QUE LUTAM.
SETEMBRO DE 2019.
Às mulheres que lutam em todo o mundo:
Irmã, companheira, mulher que luta:
Te saudamos como mulheres que somos, como indígenas e como zapatistas.
Talvez se lembre que no Primeiro Encontro fizemos um acordo de que nós temos que estar vivas. Mas, claramente vemos que segue a matança e a desaparição de mulheres. De todas as idades e todas as condições sociais. Nos assassinam e nos desaparecem só porque somos mulheres. E ainda nos dizem que é nossa culpa, que é porque nos vestimos como nos vestimos, que é porque andamos por onde andamos, que porque em a tais horas e em quais lugares. E, então, nos maus governos não falta quem, homem ou mulher, saia com sua estupidez nos dizendo que então já não devemos sair. Segundo esse pensamento, então as mulheres devem estar sempre encarceradas em suas casas, não devem sair, não devem estudar, não devem trabalhar, não devem se divertir, não devem ser livres.
Como que vemos em claro que o sistema capitalista-patriarcal é como um juiz que há dito que somos culpadas de haver nascido mulheres e, portanto, nosso castigo por esse crime é a violência, a morte ou a desaparição.
Custa muito, irmã e companheira, por em palavras, pois é como uma maldade muito grande que não se pode dar um nome. E se agora se diz “feminicídio” ou que seja, não se vê que não muda nada. Seguem as mortes e as desaparições.
E logo nossas famílias, nossas amizades, nossas conhecidas ainda têm que lutar para que não nos matem ou desapareçam outra vez, quando deixam sem castigo aos culpados ou dizem que tivemos má sorte ou, ainda pior, dizem que buscávamos essa violência
Com perdão, irmã e companheira, mas isso é uma burrice sem tamanho. Ademais de termos que lutar contra a discriminação em casa, na rua, na escola, no trabalho, no transporte, com conhecidos e com desconhecidos, ainda assim, nos dizem que buscamos morrer. Não, não apenas morrer, que buscamos que nos violem, nos assassinem, nos esquartejem, nos desapareçam.
Quem diz isso são os machistas ou mulheres com pensamento machista.
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Então, companheira, irmã, como o acordo que fizemos no Primeiro Encontro foi estar vivas, pois temos que contar do que fizemos e do que não fizemos para cumprir esse acordo.
Por isso estamos convocando a este Segundo Encontro Internacional de Mulheres que Lutam com um só tema: a violência contra as mulheres.
E esse tema em duas partes: Uma de denúncia e outra do que vamos a fazer para parar esse massacre que nos estão acometendo.
Então é pois para isso que te convidamos, irmã e companheira, para nos reunirmos e sacarmos toda nossa raiva e dizermos em alto e bom som tudo o que nos estão fazendo em todas partes do mundo.
Porque o que vemos é como que servem nossa dor em pedaços: uma violada por um lado, outra golpeada por outro, uma desaparecida por aqui, outra assassinada por lá.
Fazem assim para que pensemos que é problema de uma outra mulher em outra parte, que não vai a chegar até nós, que não é tão grave, que os maus governos o vão a resolver.
Mas vemos que não é assim, que sim vai a chegar até nós ou a alguém próxima a nós, que sim é grave, muito grave, e que os maus governos não vão fazer nada, só declarações dizendo que vão perseguir, mas não aos assassinos, aos violadores e aos sequestradores, senão às mulheres que com raiva romperam vidros ou pixaram uma pedra.[2]
Assim está o sistema capitalista-patriarcal, irmã e companheira. Assim está a coisa, que vale mais um vidro ou uma parede pixada do que a vida de uma mulher.E isso, realmente, não pode seguir.
Veja, te contamos que faz alguns anos, antes de nosso levantamento e o início da guerra contra o esquecimento, aqui nas fazendas valia mais um frango que a vida de uma indígena. Não acredita? Pois sim, assim diziam os fazendeiros. Agora nos estão dizendo pior como mulheres que somos, porque choramingam e se escandalizam por um vidro quebrado e uma pixação que fala a verdade.
E a verdade não é só que nos estão violando, assassinando e desaparecendo. Isso sim, mas também a verdade é que nós não vamos a ficar como que não acontece nada, bem comportadinhas e obedientes.
Tanto nos atacam que até parece que é um negócio do sistema. Se há mais mulheres assassinadas ou desaparecidas ou violadas ou violentadas, então há mais lucros. Talvez por isso não se detêm essa guerra contra as mulheres. Porque já não se pode crer que, cada dia, são desaparecidas ou assassinadas mulheres em todas as partes, e o sistema segue tranquilo, contente, só preocupado pelo pagamento.
De repente pode ser que, se seguimos vivas, se não somos violentadas, então se arruína o negócio. Como que também haveria que analisar se, ao mesmo tempo que sobe o número de mulheres violentadas no mundo, sobem também os lucros dos grandes capitalistas. Tantas golpeadas, tantas desaparecidas, tantas assassinadas, igual a tantos milhões de dólares ou de euros ou da moeda que seja.
Porque sabemos bem que o sistema só atende o que lhe afeta o lucro. E sabemos bem também que o sistema lucra com as destruições e as guerras. Então pensamos que nossas violências que sofremos, nossas mortes, são pois lucros para o capitalista. E nossas vidas, nossas liberdades, nossa tranquilidade, são prejuízos para o sistema.
Então queremos que venha e que diga em claro tua denúncia. Não para que a escute um juiz ou um policial ou um jornalista, senão para que a ouça outra mulher, várias mulheres, muitas mulheres que lutam. E assim, companheira e irmã, tua dor não está sozinha e se junta com outras dores. E de tantas dores que se unem não sai só uma dor muito grande, também sai uma raiva que é como uma semente. E se essa semente se cresce em organização, pois a dor e a raiva se fazem resistência e rebeldia, como dizemos aqui, e deixamos de esperar a que nos chegue ou não nos chegue a desgraça, e nos pomos a fazer algo, primeiro para deter essa violência contra nós, logo para conquistar nossa liberdade como mulheres que somos.
Porque essa é nossa experiência em nossa história como mulheres, como camponesas, como indígenas e como zapatistas.
Ninguém nos vai a conseguir a paz, a liberdade, a justiça. Temos que lutar, irmã e companheira, lutar e arrebatá-las do Mandão.
Por isso o convite ao tema de Violência contra as Mulheres não é só para denunciar, é também a dizer o que se faz e o que se fez e o que se pode fazer para deter esses crimes.
Sabemos, porque o escutamos e o vimos em suas participações no Primeiro Encontro, que há muitas formas e modos de lutar como mulheres que somos. Sabemos que umas dizem que mais melhor sua forma, que a forma ou o modo de outras não servem, e muitas coisas que se dizem. Está bem se se discute ainda que não se chegue a nenhum acordo.
Mas o problema que vemos nós zapatistas, é que para poder discutir e brigarmos por quem é a mais melhor feminista, pois primeiro temos que estar vivas. E nos estão matando e desaparecendo.
Então o convite a esse encontro é para um só tema: Violência contra as mulheres. E com duas partes: denúncia e propostas de como fazer para parar essa guerra.
Não é que vamos a sacar um acordo de todas lutar da mesma forma, porque cada quem tem seus modos, suas geografias e seus tempos. Mas para escutarmos as diferentes formas, pois nos vai a dar ideias de como fazer, segundo vemos o que nos serve e o que não.
O sistema quer que só gritemos de dor, de desespero, de angústia, de impotência.
Agora se trata de que gritemos juntas, mas de raiva, de coragem, de indignação. Mas não cada quem do seu lado, despedaçadas, que é como nos violam e matam e desaparecem, senão que juntas, ainda que cada quem em seu tempo, seu lugar e a seu modo.
E de repente, companheira e irmã, que tal que aprendamos não só a gritar de raiva, mas também hajamos no modo, lugar e tempo, para gritar um mundo novo.
Repare, irmã e companheira, como estão as coisas, que, para poder estarmos vivas, temos que fazer outro mundo. Até isso há chegado o sistema, que só podemos viver se o matamos de uma vez. Não regular um pouco, ou por nele uma cara boa, pedir que se porte bem, que não seja tão mau, que não se passe. Não. Temos que o destruir, matar, desaparecer, que não sobre nada, nem cinzas. Assim vemos nós, companheira e irmã, que é ou o sistema ou nós mesmas. Assim o pôs o sistema, e não nós como mulheres que somos.
E as datas a que te convidamos são: no dia 26 de dezembro de 2019 a chegada; nos dias 27, 28 e 29 de dezembro de 2019 são os dias de nos encontrarmos, conversarmos e escutarmos, e o mesmo 29 de dezembro de 2019 fazemos o encerramento.
O lugar é na Sementeira (Semillero) que agora o vamos a chamar de “Huellas del Caminar de la Comandanta Ramona”[3], do Caracol Torbellino de Nuestras Palabras, da zona Tzots Choj (na comunidade de Morelia, MAREZ 17 Noviembre), no mesmo lugar onde foi o Primeiro Encontro.
A chegada é no mero caracol, aí se dão os crachás e o programa, e daí as companheiras choferas te levam de garoupa à sementeira onde não se permite que entrem homens, mesmo que sejam homens bons ou regulares ou qualquer que seja. Ou seja, já nem sequer se vão a poder chegar os homens nem ver de longe nossa reunião, porque a sementeira está protegida pelas montanhas.
Os homens podem ficar no caracol a esperar enquanto nos reunimos como mulheres que somos, mas só se vêm acompanhados com uma mulher que responda e se responsabilize de que não façam uma besteira. A esse lugar vamos a dizer que é “misto”, ou seja que podem estar homens e mulheres que assim o digam.
Aí nesse lugar, onde vão a poder estar homens, de repente, talvez, una comissão de mulheres zapatistas vá do lugar do encontro e os converse do que se está denunciando na sementeira. Para que o saibam pois. E vai que têm um pouco de vergonha, e vão e contam a outros homens, e os dizem o principal, que é que não vamos a esperar que entendam ou que se comportem e deixem de baboseiras, senão que vamos a nos organizar para nos defender primeiro, e em seguida para mudar tudo, Tudo, TUDO.
Outra coisa que lhe dizemos, companheira e irmã, é que estamos revisando o que fizemos mal no Primeiro Encontro. Por isso queremos fazer no mesmo lugar para ver se podemos corrigir nossos erros.
E também que vimos no registro e na programação do Primeiro Encontro, pois se favoreceu a quem pensava igual que as pessoas que apoiaram nisso do registro e da programação. Ou seja, que mulheres ficaram sem participar e atividades por fazer, porque puseram primeiro à quem pensava igual e quando já se quis acomodar o outro, já não havia tempo ou lugar para fazer.
Então, para que não se passe isso de se acomodar de modo que umas mulheres valam mais que outras, nós como mulheres indígenas zapatistas vamos a fazer tudo desde o princípio, ou seja desde o registro e o programa.
Nunca fizemos isso, mas tão pouco nunca havíamos sido choferas e já havemos aprendido. Então, talvez façamos mal e não acomodemos bem e o programa não sai cabal, mas assim vai ser porque estamos aprendendo, e não porque umas mulheres nos caem bem porque pensam como nós, e outras nos caem mal pelo que quer que seja.
Então pois estamos nos organizando e repartindo os trabalhos para que seja totalmente organizado por nós mesmas. Assim, quando você mandar seu e-mail (aí vamos a avisar logo qual e-mail e quando começa o registro), já sabe que é uma de nós, mulheres indígenas zapatistas, que abre seu e-mail e o escreve seu nome e sua organização, grupo ou coletivo se tem, ou só individual; e te respondemos algo para que saiba que já temos seu nome na lista. E se diz sua carta que vai fazer algo, aí colocamos no programa. Por isso te pedimos que quando se registre seja com palavra da língua espanhola, porque a nós nossa língua é de raiz Maia e algo sabemos de espanhol, mas de outras línguas do mundo não sabemos. E se nos equivocamos e não apontamos seu nome, no há problema porque quando chega aqui te pode registrar e te damos seu crachá do Segundo Encontro Internacional de Mulheres que Lutam.
Então já sabe o lugar e a data. Assim já pode ir se organizando para vir ou mandar a alguém ou encarregar a alguém que te conte e discuta como estivemos e que dissemos. E assim, ainda que esteja longe, saberá que nosso dever como mulheres que lutam é que não se apague a luzinha que te demos. Porque de repente não é só para iluminar, que tal que também sirva para queimar ao maldito sistema capitalista-patriarcal.
Pois é tudo por hora, irmã e companheira. Logo vamos a te avisar qual é o e-mail e quando começa o registro. Mas já sabe o mais importante: são nos dias 26, 27, 28 e 29 de dezembro de 2019, e no mesmo lugar onde foi o Primeiro Encontro, que é desde onde te escrevemos estas palavras e é desde onde te mandamos um abraço, ou seja…
Desde as montanhas do sudeste mexicano.
Coordenadoras de Mulheres Zapatistas para o
Segundo Encontro Internacional de Mulheres que Lutam:
Zona Selva-Fronteiriça:
Marisol
Yeni
Mirella
Neri
Yojari
Arlen
Erica
Mariana
Mayder
Cleyde
Evelin
Alejandra
Nayeli
Zona Altos de Chiapas:
Yessica
Zenaida
Lucía
Teresa
Fabiola
Flor
Gabriela
Lidia
Fernanda
Carla
Ofelia
Zona Selva Tzeltal:
Dalia
Rosalinda
Marina
Carolina
Alejandra
Laura
Ana
Cecilia
Julia
Estefanía
Olga
Eloisa
Zona Tsots Choj:
Gabriela
Elizabeth
Maydelí
Elizabeth
Guadalupe
Leydi
Lauriana
Aliz
Ángeles
Maydelí
Karina
Jhanilet
Fabiola
Mariela
Daniela
Yadira
Yolanda
Marbella
Elena
Elissa
Zona Norte de Chiapas:
Diana
Ximena
Kelsy
Jessica
Ana María
Marina
Valentina
Yadira
Elizabeth
[1] Nessa tradução se primou por tentar manter o estilo do original, assim mantive erros gramaticais propositais como “mais melhor”, neologismos como “chofera” (do feminino de chofer, motorista) e o tom coloquial do texto. Traduzido por Vitor Mattos.
[2] Em referência aos massivos protestos feministas de agosto de 2019 no México, exigindo justiça contra o estupro de uma menina menor de idade por quatro policiais da Cidade do México. A mídia do país se preocupou mais pelos vidros quebrados e pixações do que pela denúncia.
[3] ¨Pegadas do Caminhar de Comandanta Ramona¨
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Hola compañeras! Qué palabras tan fuertes e inspiradoras. Soy brasileña y voy a México en diciembre. Me encantaría ir a lo encuntro y conocerlas. ¿Ya configuró el correo electrónico de registro? Muchas gracias e abrazos de resistencia.
Comentario de Maíra Norton — noviembre 17, 2019 @ 2:59 pm