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Palabra del Ejército Zapatista de Liberación Nacional

Ene192018

TRUMP, A NAVALHA DE OCKHAM, O GATO DE SCHRODINGER

TRUMP, A NAVALHA DE OCKHAM, O GATO DE SCHRODINGER

E O GATO-CACHORRO.

28 de dezembro de 2017.

De novo bom dia, tarde, noite, madrugada.

Talvez alguma, algum, algumoa, se lembre que o defunto SupMarcos insistia em que o sistema capitalista não podia ser entendido sem o conceito de guerra. Claro, supondo que seja um conceito. Dizia ele que a guerra era o motor que havia permitido, primeiro, a expansão do capitalismo, e logo sua consolidação como sistema mundial, elem de recorrer a ela para enfrentar suas recorrentes e profundas crises.

Oh, eu sei, que se poderia esperar outra coisa de um soldado. Más devo apontar, a modo de desagravo, que ele não limitava a guerra a guerra militar. Talvez uma releitura da correspondência que manteve com Don Luis Villoro Toranzo em 2010 e que foi feita pública no início de 2011, poderia ajudar-nos a entender isso. Na primeira dessas missivas públicas, se esmiúça a aparente ineficácia da chamada “guerra contra o narcotráfico” iniciada pelo viciado nos videogames bélicos, Felipe Calderón Hinojosa. E digo “aparente ineficácia” porque, na verdade, a vista dos resultados, fui e continua sendo ineficaz para combater o crime organizado, mas foi efetiva para pôr os militares a governar de fato em várias regiões desse país chamado “México”.

Trago isso à tona porque, a diferença do defunto, ao meu entender o capitalismo pode ser estudado como um crime.

Aborda-lo assim nos demandaria o conhecimento científico de matérias que poderiam aparecer distante do que tradicionalmente se conhece como “ciências sociais”.

Enfim, cataloguem vocês como queiram este desvio teórica, talvez produto de um inacabado curso, por correspondência, de detetive privado, naquela longínqua época em que o correio não se referia a contas electrónicas e nicknames, e que, quando se punha o endereço, se punha o código postal e não o I.P. ou protocolo de internet; época em que se podia estudar, também por correspondência, desde um curso de serralheria até um de piloto aviador, passando, claro está, por “como ter um corpo como o do Charles Atlas sem necessidade de ir à academia e em só umas semanas”, o qual não me foi necessário cursar porque são evidentes minhas formosas e musculosas pernas (Ai que delícia!).

Enfim, ponham-me no arquivo de algum dos “ismos” que esteja correndo nas redes sociais, e evitem concluir que as ciências sociais continuaram incompletas enquanto não incluam a criminologia entre sus ferramentas, além de, posto que de um crime se trata, a clamada ciência forense.

-*-

Mas continuo falando de um crime. Um crime que é explicado de diferentes perspectivas.

Tomos um exemplo recente: os terremotos e as consequentes desgraças.

Poderíamos perguntar sobre as condições das construções. Supomos que houve e há um estudo científico do subsolo, cálculos de resistência de materiais, e coisas assim. Aqueles que fizeram da ciência sua vocação, profissão, e vida, podem nos dizer como é. As ciências nos podem dar os elementos para evitar ou ao menos reduzir o risco de que os edifícios colapsem.

Ou seja, em uma zona sísmica e com antecedentes de terremotos, seria de se esperar que os edifícios fossem construídos levando em conta isso. Quero dizer, não seria nada sério que se fizesse uma construção e se rezasse depois para que não houvesse terremotos que a jogasse no chão.

Talvez os científicos poderiam responder à pergunta chave, que não é, por certo, por que há terremotos, senão por que morem pessoas debaixo dos escombros de edifícios que deveriam ser levantados para resistir terremotos.

Mas, segundo as análises em voga, tudo depende.

Assim que, como disse esse new-filósofo da ciência, o “intelectualmente formidável” (segundo a imprensa que o fez seu), o cidadão sem partido José Antonio Meade Kuribreña, vamos “nos mover em um esquema em que a pregunta não seja válida”. Ou seja, não vamos perguntar quem são os responsáveis, por comissão ou por omissão, de que esses edifícios se derrubassem e morresse centenas de pessoas. Não, o que vamos perguntar é porque houve terremoto. Então estaremos assim, sempre seguindo esse intelectual orgânico pós-moderno, em outra pergunta: Por que ocorrem terremotos ou sismos ou como se diga quando o solo abandona sua aparente resignação e se move?

Não, se você espera uma explicação científica, espera em vão. As explicações valorosas são as que tem mais followers, escutas, simpatizantes e militantes. Já faz tempo que a ciência perde todos os concursos de popularidade.

Então, depende de em qual esquema se deem essas explicações.

Vamos a una delas, a do senhor Alberto Villasana, quem se define a si mesmo, com uma modéstia exemplar, como “Teólogo católico, Filósofo, Analista internacional. Experto em relações Igreja-Estado. Autor de 12 livros. 3 vezes Prêmio Nacional de jornalismo”, o que ratificariam, com a fé na frente, seus 15,6 mil seguidores no twiter.

Não riam, essa quantidade supera muito a de assistentes, participantes e escutas neste encontro.

Sobre o terremoto do dia 19 de setembro de 2017, o ilustre e ilustrado Villasana escreveu: “Este é sem dúvida um aviso de Deus, uma graça muito especial para o México, para nos preparar para tudo o que está por vir…“.

Como soube disso? Bom, resulta que Villasana garante que no momento do terremoto, se estava celebrando um exorcismo a alguém possuído por 4 demônios. “Durante o exorcismo, os infestadores declararam que o terremoto do dia 19 de setembro é parte dos avisos de Deus antes do grande castigo“, publicou no seu artigo. Além dos terremotos, haveria furacões e erupções vulcânicas. Segundo o teólogo, estes castigos seriam “por ter sido aprovado o aborto na mesma cidade onde a Mae de Deus apareceu em 1531“. De acordo com Villasana, o sismo, sob estes argumentos, seria um aviso para os mexicanos. Em sua conta de Twitter, publicou a imagem dos escombros do monumento à Virgem: “Colapsou o monumento à mãe. Significativo: a cidade onde aprovaram o aborto”.

Apesar da sua sapiência indiscutível, Villasana não é original. Em novembro de 2016, os jornais italianos noticiaram que o sacerdote Giovanni Cavalcoli, que é conhecido por sua carreira como teólogo, fez as seguintes declarações no domingo 30 de outubro, o mesmo dia que um terremoto de magnitude 6,5 sacudiu a região central da Úmbria: as sacudidas sísmicas são um “castigo divino pela ofensa a família e a dignidade do matrimonio, sobre tudo por culpa das uniões civis homossexual”.

O esquema do qual depende está explicação, tem mais seguidores:

Faz apenas umas semanas, neste dezembro de 2017, o cardeal emérito Juan Sandoval Iñíguez responsabilizou as mulheres e oas outroas da violência do crime organizado e dos terremotos e inundações.

Como tribuna de explicação tão científica, Sandoval Iñíguez, convocou um chamado “Grande Ato de Desagravo” que, pelo que entendi, é como um encontro de Inconsciências pela Deidade, mas com mais poder de convocatória que este no qual nos encontramos. O evento foi no chamado Estádio Azul, na Cidade do México, que, diga-se de passagem, tem melhor localização que o CIDECI.

Para não variar, lá também houve encarapuçados. Mas, a diferença daqueles que nos convocam, que se dedicam a falar mal do capitalismo, os encarapuçados de Sandoval Iñíguez se flagelaram até sangrar. Ou seja, que esses sim são açoites e não os existenciais que se aglomeram nas redes sociais.

Entre açoite e açoite, mas tomando cuidado para que não salpicasse sangue, o cardeal emérito declarou que o direto de decidir e a diversidade sexual são pecados, e que a violência do narcotráfico e dos terremotos são o castigo a esses pecados: “Senhor e Deus nosso, antes de que venha um castigo maior, nos manda castigos temporais ou correções paternas por meio da natureza que é obra sua e está governada por tua providencia. Serão pura coincidência dos 19 de setembro nesta cidade? ”.

O evento “Grande Ato de Desagravo” foi convocado por uma espécie de associação que bem poderia chamar-se “Chegou a hora de se humilhar oas pecadoroas”. Ou seja, que como se diz: contra aqueles que apoiam o Concelho Indígena de Governo e sua porta-voz.

Por aí li que, entre os que convocaram, há “figuras públicas”, dizem, como Esteban Arce, Manuel Capetillo e Alejandra Rojas. Ignoro que tão públicas sejam estas pessoas, só sei que a senhora mãe de Esteban Arce deve ser muito lembrada entre a comunidade de outroas.

No ato, que agora já sabemos, não era para exorcizar o time de futebol que tem como sede esse estádio (fazer o que, “todo cruz azul passado foi melhor”), o new-cientista Sandoval Iníguez declamou: “Este é um ato de desagravo, no qual viemos fazer uma confissão de culpa, reconhecer nossos pecados diante do Senhor e pedir misericórdia e perdão. Viemos dizer: Senhor, pecamos contra ti e cometemos a maldade que te aborrece; perdoa teu povo e aparta de nós o castigo que merecemos. Pecamos contra ti, ante tudo com o crime mais tremendo, mais grave e mais cruel, o do aborto praticado em toda a extensão de nossa pátria, as vezes com o consentimento de leis iniquas e em ocasiões ocultamente, furtivamente, mas sempre com crueldade, aleivosia e vantagem contra o inocente, o indefenso. ”

Segundo reportagens da imprensa, muito perto de onde se açoitavam as “irmandades de penitentes encruzados e flagelantes de Taxco” (assim se autodenominam), se arrecadavam assinaturas para apoiar a expanista Margarita Zavala em seu projeto de ser candidata independente a presidência da república.

A contracorrente, e em um esquema diferente, a respeito das desgraças naturais recentes, o Papa Francisco disse: “Eu penso que o Diabo castiga o México com muita bronca porque o Diabo não perdoa o México, que ela (apontando uma imagem da Virgem de Guadalupe) tenha mostrado aí seu filho. É uma interpretação minha. Ou seja, o México é privilegiado no martírio por ter reconhecido, defendido a sua mãe“.

Assim que aí está: castigo divino ou castigo diabólico. Escolha você seu esquema de explicação de uma realidade.

São meras opiniões”, dirão vocês ou os influencers mais próximos a sua banda larga.

Ok, ok, ok. Mas o problema é que se tomam decisões com base nessas opiniões: há quem peça perdão divino ou abrace a dor como martírio privilegiado… e há quem se organiza para demandar verdade e justiça.

Não vou fazer lenha da pesada cruz que carrega a senhora Margarita Ester Zavala Gómez do Campo de Calderón (quem irrespeitosamente e longe de toda correção política, as zapatistas chamam “a Calderona”, e de quem eu, que sempre brilhei por minha boa educação e por ser politicamente correto, me deslindo).

E esclareço que acentuo que é “Gómez del Campo” para trazer a memória o assassinato dos infantes da Creche ABC, ocorrido no dia 5 de junho de 2009 no estado de Sonora, e que estava sendo guiado, entre outras pessoas, por Marcia Matilde Altagracia Gómez del Campo Tonella, exonerada por ser parente da Calderona. A memória desse crime não se apaga, graças a que seus familiares continuam exigindo verdade e justiça.

E a nomeio como “de Calderón”, porque referir a ela com seu sobrenome de solteira seria dizer que vive em concubinato com o psicopata. E, até onde meus limitados estudos de direito canónico o permitem, o concubinato é pecado. Isso nos traria mais terremotos para nos castigar por culpa daqueles que assinam apoiando sua candidatura.

Melhor, farei uma breve referência ao principal sabotador da sua carreira política, (seu concubino, si levamos em conta aqueles que se enfurecem por nomeá-la pelo que é seu sobrenome segundo as leis católicas, apostólicas e romanas), Felipe Calderón Hinojosa.

O senhor Calderón Hinojosa era, faz 10 anos, titular do poder executivo federal no México. “Presidente”, acho que lhe diziam. Bom, faz 10 anos, na ocasião das inundações que assolaram o estado de Tabasco, o então mandatário supremo do exército, forças aéreas e a marinha, declarou que a responsabilidade de que mais de 125 mil pessoas houvessem perdido suas casas e tivessem que refugiar-se em albergues, era… da lua e de uma frente fria.

-*-

O Partido Acción Nacional compete com o Partido Revolucionario Institucional, não só pelo ridículo que recaem seus pré-candidatos. Não, e o Partido Acción Nacional, agora com o seu braço chamado Partido de la Revolución Democrática, também disputa com o PRI a cumplicidade no crime.

Se você nota no olhar de Ricardo Anaya, pré-candidato do PAN-PRD-MC, um brilho demente, não o atribuía a uma possível afetação na zona do cérebro responsável da decência (claro, se é que ele a tem). É produto de uma formação partidária de quadros dirigentes. Ricardo Anaya forma parte dessa geração de quadros partidários que cresceram como tais no meio da corrupção, do cinismo, da traição, do fanatismo, da intolerância, da soberba, do nepotismo, da ignorância, do cretinismo… ok, acho que estou descrevendo a mais de um pré-candidato, mas agora estou me referindo ao da aliança do PAN, PRD y MC chamada “Por México, a frente”… e, bom, a frente há um abismo. Assim que pensem bem.

Junto a Acteal e Ayotzinapa, outro nome nos remete ao crime impune: a Creche ABC, em Hermosillo, Sonora, México.

E no sexênio desse consistente pensador que se chama Vicente Fox, PRI, PAN e PRD se aliaram para o crime chamado “Atenco”, em maio de 2006, que incluiu, além do assassinato, a agressão sexual contra mulheres.

Assim, tudo parece indicar que o grande eleitor, que certamente não precisa do Instituto Nacional Electoral, demanda provas de criminalidade para decidir-se. No seu altar, estas propostas partidárias oferendam o sangue de mulheres, de crianças, de jovens, de anciãos… y de outroas.

E para confirmá-lo, propostas políticas da direita mais rança chegam aos diferentes cargos de sicários que o sistema político mundial oferta periodicamente.

Mesmo havendo exemplos na Argentina, Chile, Brasil, no Reino Unido, no Estado Espanhol, Israel, Honduras, Nicarágua, Rússia, e agregue você mesmo a geografia que quiser, há um que sintetiza os aziagos tempos por vir: Ronaldo Trump.

Além da sua inegável habilidade e sapiência para administrar sua conta de twiter, Ronaldo Trump tem definido com diáfana claridade a vítima a imolar: mulheres, outroas, infantes, migrantes, o meio ambiente, e posso continuar detalhando especificidades, mas, a final, você chegará a mesma conclusão que eu: a vítima é o planeta inteiro, incluída a humanidade que o habita.

Mesmo depois de Ronaldo ter dado mostras de sérios problema mentais, tem resolvido a equação básica que todo governante deve afrontar: o que devo fazer para seguir no Poder? Ockham tem sido de utilidade e optou pela resposta mais simples: uma guerra.

Para conseguir uma guerra propõe muros, mudanças de embaixadas, provoca incidentes diplomáticos e assim suplica, implora: “deem-me uma guerra! Eu imploro. Onde seja, não importa. E quanto mais grande, melhor” E então, remontando-se séculos atrás, Ronaldo Trump toma a lira de Nero e canta: “Não queremos brigar, mas por Jingo, brigamos, temos as naves, temos os homens, também o dinheiro”

Sim, uma guerra. Ou um crime, depende.

Guerra ou crime, uma desgraça como nunca antes na história da humanidade.

Como se o mundo tal e como o conhecemos se derrubasse.

-*-

E já que nos referimos aos videogames, imaginemos que temos o sonho de qualquer game-viciado: uma interface cibernética que nos permita, de maneira simultânea, ter a perspectiva estratégica, a táctica e a de primeira pessoa. Algo assim como uma combinação da estratégia em tempo real, o role playing, a primeira pessoa ou first person shooter, e o outro que não sei como se chama, mas é como em terceira pessoa. Enfim, se algum dia se cria, não esqueçam de me dar os direitos por autoria intelectual.

Agora, suponham que estão fechados dentro de um quarto ideal esférico. A superfície interna da esfera, a que vocês podem ver, é uma grande tela curva, com tecnologia 5K, omled ou como se diga, e na que, simultaneamente e com velocidade vertiginosa, se apresentam pacotes informativos. Não só imagens, também som, cheiros, sensações táteis e gustativas. E, bom, também, e para não discriminar os esotéricos, percepciones extra-sensoriais.

Você pode pensar, com um alto grau de certeza, que está no mundo real, assim que você vive nesse mundo, nele você nasce, cresce, se reproduz, e, deus não queira, mas é uma situação hipotética, more.

Você é feliz ou infeliz aí. A máquina é tão eficiente que inclusive lhe prove dos parâmetros para definir felicidade e infelicidade. Ou mais, lhe oferece também uma explicação desse mundo e, se é de sua preferência, de um mundo espiritual, um consolo para o dia em que, já disse que deus não queira? Você mora.

Assim que você está aí, na máquina que chamaremos, com prudente cálculo empresarial, “a máquina do gato-cachorro” (todos os direitos reservados).

Nisso está, ou seja, simulando que vive ou vivendo (porque a máquina lhe dá também os critérios para distinguir entre “o real” da máquina e “o virtual” que a mesma máquina produz para dar um ponto de referência).

Bom, suponhamos que em uma temporalidade qualquer dentro da máquina, você está fazendo o que se supõe que faz. Nisso, quem saber de onde, aparece uma pessoa que não tem nada a ver com nada. Você, claro está, que é uma pessoa moderna, compreensiva das limitações tecnológicas e atribui essa irrupção a uma irregularidade no complicado software da máquina ou em seu complexo hardware. Você espera pacientemente que a irregularidade se solucione, ou seja, procura o botão de “reset”, mas a pessoa continua ali e, quando menos se espera, essa pessoa lhe diz:

Um momento, que ninguém toque nada, que ninguém saia. Esta é a cena de um crime”.

Você dúvida. Não sabe se reclamar no suporte ou pôr no micro-ondas um pacote de pipocas, pois talvez se trate de um novo episódio de “Law & Order: Unidade de Vítimas Especiais” (música de fundo).

Mas algo não encaixa, porque não é a detetive que aparece senão outra mulher. Sim, a máquina deu o sinal que indica: “mulher”. Mas a mencionada traz uma blusa bordada, sua estatura é menor ao habitual que a mesma máquina lhe inculcou como “estatura média”, sua tez é de cor escura, digamos da cor da terra. A máquina dá a informação que tem: “indígena, ou também autodenominada “originaria”, sua localização geográfica está na região média da América do Norte chamada México, nulo ou mínimo nível de estudos escolares, acesso a avances tecnológicos entre 0 e 0,1, monolíngue ainda que há casos em que fala dois ou mais idiomas, taxa de mortalidade, muito por cima da média, esperança de vida, muito por baixo da média; persistência cultural, séculos; portanto, idade indefinida.

Com essa informação, você já começa a redigir o relatório suporte, claro, ao mesmo tempo enchendo a boca de pipoca, porque também não se trata de desperdiçar o molho Valentina que as cobre:

Prezados programadores, lhes rogo que solucionem este defeito. Porque não é possível que cada um, uma, umoa, esteja aqui cumprindo fielmente as funções que me foram assignadas, e de repente apareça algo tão pré-moderno. Corra porque está para começar a nova temporada de “A direita, o melhor dos mundos possíveis” E já estão promovendo. Assine. ”

A irrupção feminina em questão tem o mal gosto de trocar a piada de moda de “venho do futuro e…” acompanhado de algo engenhoso. Oh, não se preocupe, a máquina também diz o que é e o que não é “engenhoso”. Porque, digamos, a mulher originaria diz agora: “venho do passado e este filme não é um filme e já o vi”. Então você percebe que a mulher não está só, há outras que se parecem, mesmo agora que obrigam a olhá-las vê que são iguais, mas diferentes. Há também homens. E não faltam aqueles que não são nem uma nem outro.

Sem respeitar a programação, esses seres estranhos, anacrónicos e, não seria demais dizer, irreverentes, começam a soltar fumaça e até há quem tira, quem sabe de onde, uma lupa. Você está a ponto de aplaudir, pensando que a máquina se atualizou e agora pode produzir uma realidade virtual dentro da realidade virtual, mas a mulher que agora a máquina etiqueta como “indígena” sem matiz algum, estuda você detalhadamente. Claro que você tem razão em sentir-se incómodo quando, despois de pôr a lupa sobre os olhos, ela sentencia: “Outra vítima, que a anote a equipe de relatorias”.

Sim, tem uma equipe de relatoria, o que sugere algum tipo de forma organizativa não catalogada”, te diz a máquina, um pouco para parecer útil e outro pouco para dar tempo de auto revisar sua programação.

O grupo de indígenas que, agora você se percebe, são uma minoria mas fazem barulho como se fosse maioria, se reúne para deliberar e, depois de um tempo que a máquina não consegue contabilizar ou oferecer um parâmetro de comparação, decretam:

Aqui está tudo: a vítima, o assassino, a arma homicida e a cena do crime”

Então você percebe que a tela esférica se assemelha mais a um muro côncavo, e vê, não sem alarmar-se, uma menina, acompanhada de um ser estranho que a máquina é incapaz de etiquetar e se conforma com “gato-cachorro; ser mitológico de origem desconhecido; não há nenhum dado que confirme sua existência real, ou seja, virtual, mas real na máquina, ou seja, você me entende, não? Bom, depende; hábitat provável: montanhas do sudoeste mexicano”. Cfr: “Será uma vez”, edições em espanhol, italiano, inglês, grego, alemão, português, etc”

Bom, o que alarma é que a menina e o assim catalogado como “gato-cachorro” estão apontando uma greta na máquina, ou seja, na esfera, ou seja, no muro.

Ai você dúvida, algo que a máquina sempre tentou evitar até agora, entre ir a revisar as condições de garantia ou correr a espiar a greta.

Porque acontece que a greta, sua possibilidade, questiona não só a programação da máquina, senão sua própria existência.

Então você sente que está preso na mesmo paradoxo que o gato de Schrodinger

A máquina o enlaça velozmente a Wikipédia e aí você lê:

Erwin Schrödinger apresenta um sistema que está formado por uma caixa fechada e opaca que contém um gato no interior, uma garrafa de gás venenoso e um dispositivo, o qual contém uma só partícula radiativa com uma probabilidade de 50% de desintegrar-se em um momento dado, de forma que se a partícula se desintegra, o veneno se libera e o gato more. Ao terminar o tempo estabelecido, a probabilidade de que o dispositivo se ative e o gato esteja morto é de 50%, e a probabilidade de que o dispositivo não se ative e o gato esteja vivo tem o mesmo valor. ”

Claro, você já não segue as partes essas de mecânica quântica, porque sente um ligeiro tremor percorrer seu corpo.

Terror” lhe diz a máquina para que você identifique essa sensação. Porque a máquina já tinha catalogada essa percepção sensorial, mas sempre, pelo menos até agora, a tinha apresentado como alheia: o terror sempre tinha estado no outro.

Todas as evidencias, todo o sólido que lhe dava certezas, valores, razão, juízo, começa a desvanecer.

Você não sabe se está vivo ou morto, há um 50% de probabilidades de uma coisa ou outra, e você se estremece, mas não porque está a ponto de averiguar sua condição existencial, mas sim porque a pregunta que expõe a greta:

¿Outro mundo é possível? ”

É”, lhe responde a menina que agora traz debaixo do braço uma bola e, sobre a cabeça, algo que poderia ser um gato… ou um cachorro.

Você, claro, é uma pessoa com conhecimentos e se auto aplica na “Navalha de Occam” interpretando que a explicação mais simples es provavelmente a mais correta. Então se diz a si mesmo, mesma, mesmoa: “estou sonhando”

Enquanto você decide se está num sonho ou num pesadelo, o que fazer? Se olha pela greta ou continua fazendo o que estava fazendo quando essa confusão irreverente e insubmissa apareceu?

Para isto o que originalmente era um grupo de indígenas, agora é um coletivo mais amplo: tem pessoas de todas as cores, tem quem empunha um martelo e sorri cumplice quando se dirige ao muro onde, oh, oh, parece que querem alargar a greta.

E lá alguns dançam, e outros pintam, e outros imagina um enquadre para a foto, e outros escrevem apressadamente, outros mais cantam, e alguns estão sopesando um microscópio para ver se o joga contra o muro esférico ou se é melhor o bisturi que atingirá mais a greta.

E, espere um momento, de onde saiu essa marimba?

E de repente estão jogando futebol e a menina, que para economizar explicações, colocando-se um crachá que reza: “Defesa Zapatista” pergunta a você como se chama, e você entende então que ela não está pedindo seu nome, mas sim sua posição para um suposto time que não termina de se completar.

E você sente que o terror já se apoderou de todo seu ser, porque você intui que a menina em realidade lhe está perguntando:

E você que?”

Desde CIDECI-UniTierra, Chiapas.

SupGaleano.

México, dezembro de 2017.

 

DO CADERNO DE NOTAS DO GATO-CACHORRO:

O MISTERIOSO CASO DOS MANTECADOS DESAPARECIDOS.

Elías Contreras é um companheiro zapatista que realiza o trabalho da comissão de investigação, um detetive. O seja, que é como um vigia. Elías Contreras está finado, igual o Supmarcos e trabalhavam juntos nisso de procurar o mal e o mau. Elías agora trabalha as vezes com o SupMoy, e de vez em quando conversa com o SupGaleano.

Este breve resume deve servir para entender o que aconteceu numa tarde deste dezembro na Comandância Geral do EZLN, onde o Subcomandante Insurgente Moisés chamou o mencionado Elías Contreras.

Elías”, disse o SupMoy depois de responder o cumprimento militar da comissão de investigação, “temos um problema”.

Elías Contreras não disse nada, só tirou do bolso uma palha e um rolo de fumo, e se dedicou a forjar um cigarro enquanto escutava o SupMoy:

É na loja cooperativa da região. Dizem que faltam umas mercadorias, que se desapareceram. Me perguntaram se tinha alguém que poderia ajudar. Você investiga?

Elías Contreras só emitiu um som como “m mh”, e saiu sem dizer palavra alguma.

O encarregado da loja cooperativa cumprimentou a Elías apenas com um gesto, estava fazendo a conta do mês.

O que foi que despareceu? ”, perguntou Elias enquanto olhava distraído os Dvd que estavam a venta, a maioria deles com o selo de “Los Tercios Compas”.

Os mantecados”, disse o encarregado sem descolar o olho do caderno onde sofria com as contas.

E como você sabe que faltam? ”Pergunta Elías enquanto revisa a estante.

Porque esses ninguém compra, sempre estiveram aí, de enfeite pois

E se ninguém as compra qual é o problema? ”

A comissão de vigilância”, suspirou resignado o encarregado, “tem que estar certa a conta, se não temos que repor

Elías Contreras deu um resfôlego e se inclinou para pegar uns pedacinhos de tabaco negro ao pé do balcão.

Foi embora.

Sup”, disse quando estava já na porta do barraco do SupGaleano.

Elías”, respondeu o Sup sem tirar o olho de uma tela conectada com um cabo e um velho computador laptop.

Estragou”, quis esclarecer o Sup, “o monitor quebrou, mas o processador e o resto está bem, assim que a conectei a este monitor. Apenas adaptei o teclado, mas o mouse não o encontro

Girou na sua cadeira de escritório e olhou a Elías.

Os mantecados”, disse a comissão de investigação.

Já acabou”, disse o Sup, “os comeram Defesa Zapatista e seu cachorro… ou gato… ou seja lá o que for”.

Mas tenho um pouco de pão de pinole que fizeram os insurgentes. Como sei que foram feitos pelos insurgentes? Porque cresceu, quando são feitos pelas insurgentas fica baixinho. ”

Elías fez um cigarro e entregou ao Sup os fósforos para o cachimbo.

E agora? ” Perguntou o SupGaleano depois de esperar que Elías Contreras acendesse seu cigarro.

Pois… você vai ter que fazer as contas da loja. Claro, além de repor o custo. Mas não vim por isso. Tem um pensamento que quero conversar com você…

Algumas horas depois, Elías Contreras, comissão de investigação do EZLN, saiu do barraco do SupGaleano e se deteve um momento vendo a tarde já rendida as sombras da noite.

Com a lanterna lumiou o caminho até a comandância geral do ezetaelene. Já na porta, sem entrar, cumprimentou e disse: “O Sup, uns mantecados

O SupMoy sorriu e disse para si: “Bom, alguém tinha que fazer essas contas”.

Na assembleia geral o SupGaleano não saiu mal, mas tampouco bem. Depois de “criticá-lo” por comer “besteiras” e não se alimentar bem (lhe disseram que são melhores os mantecados que fazem na padaria do CIDECI), as autoridades lhe deram o pior castigo que há atualmente nessa comunidade: fazer as contas das cooperativas.

O Sup acendeu o cachimbo ao sair da assembleia e, enquanto se dirigia a cooperativa “Como mulheres que somos”, disse a si mesmo: “bom, podia ser pior, em outros tempos me tinham mandado limpar currais”.

Fez as contas rapidamente, não porque soubesse matemáticas, senão porque as fez com o celular que pediu “emprestado” da comandância quando o SupMoy o chamou para repreendê-lo. Também não era um ótimo celular, era um desses de “gama baixa” que não servia para capturar as assinaturas que o INE do primeiro mundo punha como requisitos a aspirantes a candidatas do terceiro mundo, mas a calculadora funcionava bem para somas e subtração.

Encontrou a Elías ao pé da Ceiba, tal e como tinham combinado.

Os cheiros de ambos tabacos se misturaram com os silêncios. Diálogo entre defuntos, diálogo surdo-mudo.

Nenhum dos dois lembra quem perguntou: “Quanto tempo? ”, mas sabem que ambos responderam ao uníssono: “pouco, muito pouco”.

Dou fé:

O gato-Cachorro.

 

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