Apontamentos sobre a guerra contra o magistério em resistência: (A Hora do Policial 3).
Junho de 2016.
Do caderno de anotações do Gato-perro:
.- Não sabemos se no resto do país, mas ao menos em Chiapas, os de cima estão perdendo a guerra midiática.
Vimos famílias inteiras, no meio rural e no urbano, apoiando o magistério. E não nos referimos a apoios do tipo «este punho, sim, se vê»[1], «o povo unido, jamais será vencido», e as consignas que, apesar das distâncias em calendários e geografias, seguem sendo as mesmas, porque abaixo a solidariedade segue sendo um princípio elementar. Se em mobilizações anteriores do magistério rebelde, a «cidadania» (esse termo que oculta a desigualdade) se mostrava desgostosa e incomodada, agora as coisas mudaram.
Cada vez são mais famílias que socorrem @s professor@s, @s apóiam para suas viagens e marchas, se angustiam quando são agredid@s, oferecem-lhes alimentos, bebidas e refúgio. São famílias que, segundo a taxonomia da esquerda eleitoral, estariam «embrutecidas» pela televisão, são «come tortas[2]«, «estão alienadas», «são acarreadas[3]«, «não têm consciência». Mas, ao que parece, a descomunal campanha midiática contra o magistério que resiste, fracassou. O movimento de resistência contra a reforma educativa se converteu em um espelho para cada vez mais gente-gente (isto é, não a das organizações sociais e políticas, mas as pessoas comuns). Como se tivesse despertado um sentimento coletivo de urgência frente à tragédia que se aproxima. Como se cada golpe de cassetete, cada bomba de gás, cada bala de borracha, cada ordem de apreensão, fossem consignas eloquentes: «hoje ataco a ela, a ele; amanhã irei atrás de ti». Talvez por isso, por trás de cada professor há famílias inteiras que simpatizam com sua causa e com sua luta.
Por que? Por que um movimento que foi ferozmente atacado por todos os lados segue crescendo? Por que, se são «vândalos», «vagabundos», «terroristas», «corruptos», «opositores-ao-progresso», muita gente de baixo, mais não poucas (da parte) do meio, e até algumas de cima, saúda, algumas vezes em silêncio, ao magistério que defende o que qualquer pessoa defenderia?
– «A realidade é mentira». Assim poderia ter intitulado sua matéria o diário chiapaneco mal batizado «Quarto Poder» (um meio nostálgico da época de cercas e senhores de forca e faca) quando «denunciava» que era falsa a festa popular que, no último 9 de junho e nas ruas de Tuxtla Gutiérrez, capital do suroriental estado mexicano de Chiapas, se celebrou em apoio ao magistério em resistência. Parachicos, dançarinos, musiqueros, trajes tradicionais, pessoas em cadeiras de roda, marimbas, tambores, apitos e flautas, o melhor da arte zoque e milhares de pessoas saudando a resistência d@s professor@s. Do «sucesso» da guerra midiática contra a CNTE dá conta um cartaz que dizia «Obrigado, professor, por me ensinar a lutar». Outro mais assinalava: «Não sou professor, mas sou chiapaneco e sou contra a reforma educativa».
Mas a que incomodou os dirigentes de «Quarto Poder» foi a que dizia, palavras mais, palavras menos: «Se colocarem o güero[4] Velasco[5] para governar no deserto, em poucos meses acaba a areia».
– Pois, há mais de três anos de promulgada a suposta «reforma educativa», o senhor Nuño[6] ainda não pode apresentar algum argumento educativo, que seja mínimo, a favor de seu «programa de ajuste de pessoal». Seus argumentos foram, até agora, os mesmos de qualquer capataz da época porfirista: gritos histéricos, golpes, ameaças, demissões, prisões. Os mesmos que empregaria qualquer triste e sombrio aspirante a policial pós-moderno.
– Já os golpearam, já os gasificaram, já os prenderam, já os ameaçaram, já os demitiram injustamente, já os caluniaram, já decretaram de fato o estado de sítio na Cidade do México. O que vem depois? Que os desapareçam? Que os assassinem? É sério? A «reforma educativa» nascerá sobre o sangue e cadáveres de professoras e professores? Vão suprir os plantões do magistério com plantões policiais e militares? Os bloqueios de protesto por bloqueios com tanques e baionetas?
– Lições para Nuño sobre Terrorismo. A tomada de reféns (que é isso, e não outra coisa, a detenção de membros da direção da CNTE[7]), em qualquer terrorismo (o do Estado e o de seus espelhos fundamentalistas) é um recurso para forçar um diálogo e uma negociação. Não sabemos se lá em cima se deram conta ou não, mas acontece que a outra parte (o magistério) é quem busca o diálogo e a negociação. Ou a SEP já se filiou ao ISIS e a tomada de reféns é somente para semear o terror?
– Havia um causo que circulava entre os serviços de inteligência governamentais das grandes potências. Dizem que, para ganhar a batalha midiática na guerra contra o Vietnam, os serviços de inteligência norte-americanos criavam, essa é a palavra, cenários de grandes vitórias, da crescente debilidade do inimigo, da fortaleza moral e material de suas próprias tropas. Porque acontece que a estratégia chamada «ganhar corações e mentes», que inicialmente estava destinada a acontecer no Vietnam, teve que acontecer nas ruas das grandes cidades da União Americana. Depois desse abril de 1975 – que recordava a derrota em Playa Girón, na Cuba digna, no mesmo mês,mas de 1961 – um funcionário norte-americano disse: «o problema é que fabricamos tantas mentiras para os meios que nós mesmos acabamos acreditando nelas. Criamos uma cenografia de vitória que ocultava nosso fracasso. Nossa própria estridência evitou que escutássemos o estrépito de nossa queda. Não está mal mentir, o mau é acreditar nas próprias mentiras». Por fim, é claro que nós, zapatistas, não sabemos muito sobre os meios de comunicação, mas em nossa humilde opinião, é um mau negócio colocar, à frente de uma campanha midiática de uma privatização descarada, um capataz triste e sombrio que quer ser policial.
– Iniciar à infância nos primeiros passos da ciência e da arte, isso é o que fazem os professores, professoras e professoroas.
Dou fé.
Miau-Guau.
[1] «Este puño sí se ve» é uma tradicional consigna cantada durante manifestações populares nos países de língua espanhola. (N.T.)
[2] Xingamento popular. Algo como «comilão». (N.T.)
[3] Refere-se a um tipo de militância de aluguel, que é levada de carro para as manifestações. (N.T.)
[4] Maneira informal de referir-se a uma pessoa branca. Semelhante ao «branquelo» usado no Brasil. (N.T.)
[5] Manuel Velasco Coello, governador do estado de Chiapas pelo Partido Verde Ecologista do México. (N.T.)
[6] Aurelio Nuño Mayer, titular da Secretaria de Educação Pública (SEP), órgão federal para a área da Educação. (N.T.)
[7] Coordenadora Nacional de Trabalhadores na Educação. (N.T.)
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